por: Ana Maria Ribas Bernardelli
(http://www.anamariaribas.com.br)
Não é difícil imaginar a indignação do profeta Miquéias, quando escreveu aos líderes religiosos do seu tempo este discurso carregado de condenação:
“ Assim diz o Senhor acerca dos profetas que fazem errar o meu povo, que clamam: paz! quando tem o que mastigar, mas apregoam guerra santa contra aqueles que nada lhe metem na boca. Portanto se vos fará noite sem visão e tereis treva sem adivinhação; por-se-á o sol sobre os profetas e sobre eles se enegrecerá o dia. Os videntes se envergonharão e os adivinhadores se confundirão” ( Miquéias 3: 5,6,7).
“ Os seus cabeças dão a sentença por suborno , os seus sacerdotes ensinam por interesse, os seus profetas adivinham por dinheiro e ainda se encostam ao Senhor, dizendo: não está o Senhor no meio de nós? Nenhum mal nos sobrevirá.” ( Miquéias 3:11)
A lista dos que se autodenominam profetas, sacerdotes, mestres, evangelistas, bispos e pastores, e sob esses títulos e funções “ensinam por interesse, adivinham por dinheiro e ainda se encostam ao Senhor”, é tão antiga quanto a história da humanidade.
Com um agravante: na atualidade, multiplicam-se aos milhares o número daqueles que percebendo as vantagens econômicas e sociais que a profissão oferece, engajam-se no círculo de proteção oferecido pelo corporativismo religioso.
Façamos uma aliança entre a minha nação e a sua nação (denomi-nação). Façamo-nos um nome e uma torre cujo cume toque nos céus. Façamos um conluio religioso que nos favoreça. Você me indica que eu te indico. Você me convida que eu te convido. Você divide comigo um naco do seu nicho e eu divido com você um naco do meu nicho. Eu te ofereço um púlpito no nordeste por 3 dias e você me oferece um púlpito no sul por 3 dias. Você arranca uma oferta do meu povo e divide com a “minha” igreja. Eu arranco uma oferta do seu povo e divido com a “sua” igreja. Coloquemos um lençol aberto lá na frente visualizando uma grande colheita, para o povo ficar animadinho na hora da contribuição. E com a ponta do lençol, quem sabe, os mais conscientes possam sugerir que se faça uma forca para os Judas dos tempos modernos que cuidam da bolsa mais do que dos assuntos do Reino.
Essa é uma situação muito comum no meio do povo de Deus. Chocantemente comum. E acontece, de repente, nas melhores denomi-nações. Os líderes com uma visão denomi-litada gastam 10 anos da vida pregando a genuína palavra de Deus ,e de uma hora para outra são contaminados por um “cristianismo importado” permitindo que a horda de salteadores invada o templo e dissemine heresias midiáticas. Qualquer bobagem é aclamada como uma revelação divina. As interpretações pessoais da palavra de Deus são recebidas sem reserva causando confusão e perplexidade entre os mais atentos.
Ontem tive o desprazer de assistir uma pregação digitalizada onde tudo acontece como num show de mágica: o pregador usava uma roupa não comum, chamando bastante atenção sobre a sua singularíssima pessoa. Uma espécie de vestimenta sacerdotal. Na cabeça, usava um adereço que complementava o traje. Seu discurso, principiou de maneira sábia e terminou de maneira néscia, abusando da tentativa de compreender a mente de Deus. O cidadão transformou o jardim do éden num paraíso de consumo onde todas as árvores significavam um tipo de aquisição material disponível para o homem, como numa grande loja de departamentos. A Árvore da Vida foi reduzida a um plano de saúde e a árvore do conhecimento do bem e do mal ganhou a interpretação de uma grande coletoria cósmica onde quem "comesse" os 10 por cento morreria. Simples assim. O recolhimento do dízimo era o que garantiria aos fiéis o pleno desfrute de todas as árvores, inclusive da árvore da vida.
O povo? O povo concordava, obedecia e aplaudia. O povo também repetia uma palavra mágica, como um mantra, que o pregador incorporou ao discurso, uma espécie de mensagem subliminar que cola no inconsciente das pessoas e faz com que, muito tempo depois, o pregador ainda seja lembrado pelo bordão que criou. Em conformidade com as normas publicitárias vigentes no mundo, o cidadão ganharia nota dez pela cara de pau e nota mil pela implantação da campanha publicitária. Pague o dízimo e viva para sempre.
Para aonde fugir se essa é uma tendência que se dissemina na velocidade da luz? Aonde buscar refúgio se o trigo está sendo dominado pelo joio? Seria este tempo a reedição de um tempo profetizado por Miquéias, com dupla aplicação? O que fazer para evitar que tais coisas aconteçam? No mínimo, denunciar. Não importa que a nossa tentativa de denúncia alcance um âmbito pequeno de pessoas, importa que a partir da nossa consciência outras consciências sejam iluminadas acerca dessa praga que assola a igreja do Senhor.
Talvez a pregação do evangelho seja, hoje, a profissão mais concorrida da terra e também a mais protecionista entre os seus pares . O cidadão apresenta-se com um discurso profano, mas não é contestado porque não se pode contestar uma suposta nova revelação divina. Não se prega mais a genuína palavra de Deus. A palavra de Deus sozinha se explica. A Palavra de Deus se basta. Fale a Palavra de Deus e o resto deixe com Deus. Se você não atrapalhar, o Espírito de Deus faz a obra. Mas não! Todo mundo hoje parece querer acrescentar à Palavra alguma revelação que tenha recebido, uma espécie de contribuição cósmica universal que faça do pregador um guru em assuntos que não nos cabe interpretar. Por conta disso, enquanto prosperam as heresias, prosperam também as agendas dos reverendos. A falta de conhecimento bíblico faz do povo de Deus uma platéia fácil de ser iludida e enganada.
“ O meu povo é destruído porque lhe falta o conhecimento”. Oséias 4:6
Talvez o número de candidatos a estrelas do mundo gospel seja superior ao número de candidatos aos vestibulares de medicina. Com uma vantagem: Não é preciso fazer vestibular algum. Basta possuir uma boa capacidade de verbalização, conhecer parcialmente a Bíblia, decorar alguns versículos, montar umas mensagens, aprimorar o discurso religioso, criar alguns bordões, fazer o povo rir no começo, fazer o povo chorar no fim, não necessariamente nessa ordem, distribuir palavras abençoadoras, apontar o dedo indicador para a grande massa, levantar as mãos, animar o auditório, ter um bom domínio de palco, instituir um clima de histeria generalizada, promover um barulhão dos brabos, criar uma língua supostamente falada por anjos, e predizer um futuro cuja autenticidade não será possível comprovar uma vez que o profeta nunca se fixa em lugar algum, porque o profeta deste século é um ser itinerante cujo itinerário tem abrangência mundial.
Nunca se viajou tanto para proclamar o Evangelho em países do primeiro mundo. De vez em quando sobra um abnegado que aceita pregar o Evangelho nas tribos mais distantes, mas a maioria quer ensinar o padre nosso para o vigário em terras muito bem evangelizadas.
Mas vamos ver o que diz a história Bíblica?Os profetas da Bíblia viviam circunscritos a uma região e profetizavam durante o período de um determinado rei. Suas profecias, se autênticas, poderiam atestar a comprovação da comissão divina , e se falsas, poderiam atestar a ausência da comissão divina, uma vez que o profeta tinha endereço fixo, pertencia ao reino do sul, ou ao reino do norte, era de determinada tribo e possuía um histórico de vida possível de ser acompanhado e avaliado pelo povo a quem profetizava. Mas os profetas de hoje não tem histórico algum. Levantam-se do nada, aparecem no cenário religioso conforme caem nas graças dos líderes estabelecidos e vivem num mundo globalizado que favorece muitíssimo as profetadas internacionais, sem nenhuma cobrança, porque profetizam hoje para uma cultura que não conhecem e vão embora amanhã, sem nenhum vínculo com o povo ao qual ministraram. Assim é fácil ser profeta.
E o que dizer dos cantores do mundo gospel? Qual a diferença entre eles e os cantores do mundo? E qual a semelhança entre eles e os levitas do Antigo Testamento? Qual o nível de importância que uma voz recebia no Antigo e no Novo Testamento? Nenhuma! As vozes se misturavam a outras vozes e nenhum levita recebia destaque especial. Deus era louvado por um coro de vozes que subia da terra para o céu, em uníssono, enquanto hoje o cantor é reverenciado pela voz que recebeu, cobrando um cachê altíssimo para cada apresentação. Por que essa situação prospera? Porque os membros das assim chamadas igrejas a aprovam e a sustentam com os seus dízimos. O cantor finge que canta para Deus e o povo finge que acredita que o canto é para Deus, e paga para ouvi-lo cantar como pagam os ímpios para ouvirem cantar os seus ídolos.
Quero chamar a sua atenção para o fato de que não estou falando aqui de não convertidos. Estou falando de gente que conhece o poder de Deus, gente que sabe que Deus existe e é real, mas ainda assim não resiste aos brilhos da purpurina religiosa. Isso tem contaminado até a Igreja Romana onde até bem recentemente não havia ídolos de carne e osso, apenas ídolos de pau e pedra. Mas a igreja evangélica criou o modismo e exportou a idolatria de carne e osso para dentro da Igreja Romana. Se nós podemos ter os nossos ídolos pops, por que eles não poderiam? Convenhamos que é difícil resistir. O pregador sobe ao púlpito portando a mensagem mais importante da terra. As pessoas acorrem para ouvi-lo porque sabem que essa é a mensagem mais importante da terra. Nunca houve e jamais haverá uma boa notícia como esta: “ porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (João 3:16). Mas ao subir ao púlpito começam as afetações paranóicas e reluzentes que transformam a boa nova do céu num espetáculo do mais vil humanismo que existe: um mágico invocando o nome do Senhor Jesus como se ele fosse um assistente de palco, induzindo a platéia a uma participação entusiástica naquilo que mais parece um show: diga isso, fala aquilo, repita comigo, senta levanta, salta, pula, rodopia, tá fraco, mais forte, mais alto, mais alto ainda!
Essa euforia institucionalizada tem um único motivo que nada tem a ver com Deus: o apresentador necessita da barulheira para se auto afirmar. O desejo de aprovação pública é maior do que o desejo de servir. É o retorno do som de um sino que retine de maneira oca, vazia, sem nenhum significado, produto de uma alma desconectada com o espírito.
Outro dia assisti a um programa de televisão com um rabino de Curitiba. As barbas do profeta tremiam ao falar dos costumes religiosos do povo que faz mal uso da Bíblia e ousa dizer que é filho de Deus. Somos filhos de Deus pela fé tanto quanto eles o são por genealogia, mas dá para entender a indignação e a perplexidade dos ortodoxos que tratam Deus com a devida reverência mesmo sem conhecer o Senhor Jesus. Será que não estamos contribuindo para que o distanciamento aconteça com esse comportamento assírio-fenício em nossos cultos? Será que aos olhos dos judeus não somos tão apócrifos quanto os povos bárbaros que invadiram Jerusalém?
O apelo financeiro é outra marca do presente século. Os eventos que reúnem multidões são muito concorridos por motivos óbvios. Aonde houver um nicho econômico lá estão os flancos dos vendilhões do templo tirando partido de tudo o que a mídia secular oferece. Com a maior cara de pau. O pastor famoso vai à televisão e não se envergonha de oferecer em cadeia nacional uma Bíblia por um preço que daria para comprar 50 bíblias. E tem gente que compra, aplaude, e compactua com essa pouca vergonha. Que Bíblia é essa que custa tão caro? É a mesma bíblia que custa tão barato. Nunca houve e jamais haverá uma mercantilização profana como as vertentes publicitárias do cristianismo organizado após o descobrimento da TV,da internet, e das revistas publicitárias. O cristianismo moderno virou um catálogo do Avon. Formam-se cartéis econômicos e todos eles acontecem sob as bênçãos das lideranças constituídas.
Não há diferença entre o mundo e o cristianismo quando se trata de colocar em prática as variadas formas de vender e lucrar. O que a sociedade consumista oferece, o cristianismo organizado também oferece. O que a cultura humana mundial produz, o cristianismo organizado vai atrás e produz da mesma maneira. Nada se cria, tudo se copia. Antigamente o diabo era o imitador dos atos de Deus, hoje é o povo de Deus quem copia as estratégias do diabo. A Revista Caras faz sucesso? Façamos uma revista Caras de evangélicos. Worshoping com psicólogo em hotel fazenda atrai clientela? Façamos um workshoping para evangélicos com pastores que funcionem como psicólogos em hotel fazenda. Viagem de navio temática com artista famoso tem um bom apelo comercial? Façamos uma viagem de navio temática com pregador famoso. Tudo o que agrega valor comercial pode ser comercializado. Sem esquecer que cada um desses eventos é registrado, filmado, editado e comercializado mais de uma vez, ad eternum.
No Antigo Testamento um cordeiro perfeito era escolhido, separado, levado ao templo, morto, esfolado, esquartejado, queimado e após esse doloroso processo de consagração o incenso do sacrifício subia como aroma agradável a Deus. Essa era a oferta que Deus recebia, em favor dos nossos pecados. Uma oferta que custava alguma coisa, uma oferta que simbolizava a renúncia total da vontade do cordeiro que fora escolhido para o sacrifício. Chamo a sua atenção para a expressão que encerra a idéia: “escolhido para o sacrifício.”
Jesus foi o cordeiro perfeito escolhido desde tempos imemoriais para ser oferecido como sacrifício eterno pelos nossos pecados. Ele veio ao mundo para morrer. Não veio para brilhar embora o brilho lhe fosse inerente. Não veio para atrair multidões com o seu discurso, mas para atraí-las quando fosse levantado da terra. Quão diferente tem sido o comportamento dos tele evangelistas, dos astros da musica gospel, dos vendilhões do templo e de todos aqueles que se dizem cristãos, mas fazem do cristianismo um meio a serviço dos seus próprios fins. Zero de renúncia, milhões de lucros. Zero de sacrifício, milhões de ganhos.
Os cordeiros de hoje vão ao templo muito vivos, e saem dali mais vivos do que nunca, mais espertos do que nunca, mais famosos do que nunca, mais astros do que nunca, mais mascarados do que nunca, mais conhecidos do que nunca, mais satisfeitos do que nunca, mais realizados do que nunca. A marca do cristianismo de hoje é a total ausência de cruz.
Se alguma comissão me foi dada na terra, certamente foi-me dada para anunciar o que sei, o que sinto, e o que vejo como um cancro no meio do povo de Deus. Com muita lástima e com grande pesar, quero encerrar com as palavras do próprio Senhor Jesus:
“Nem todo o que me diz Senhor! Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi abertamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade.” Mateus 7: 21-23.
Nenhum comentário:
Postar um comentário