Quem nunca evitou conversar, passar perto, ou sentar junto com uma pessoa "crente"?
Ficar no mesmo ônibus ou vagão de trem, nem pensar.
Se você nunca foi preconceituoso, parabéns!
Eu já fui, e muito.
Fiz um pré-julgamento sobre esse fato e criei um estereótipo que acreditava ser inabalável.
E quando você age assim, não enxerga mais nada ao seu redor, a vida se encarrega de mudar isso.
Em 1987, quando fui trabalhar em um posto do INAMPS passei a conviver mais de perto com uma dessas pessoas, de nome Jussara, que vivia com a bíblia na mão.
Logo no primeiro dia de serviço, nas apresentações do pessoal, já vi pelas características que se tratava de uma "crente". Roupas discretas, saia longa, blusa fechada e com mangas, cabelos enrolados em um coque preso com grampos, nada de maquiagem, nem enfeites, e um olhar profundo e sereno.
Risonha, mas séria, e sempre pronta para falar sobre sua crença e nos orientar sobre o "melhor caminho".
Bastava uma folguinha no serviço e ela dava uma rápida passada de olhos naquele pequeno livro de capa preta.
Muitas vezes, as pessoas na fila davam um tempinho para que ela lhes dirigisse a atenção, não sem um desdém visível no rosto.
Sorrindo, Jussara colocava a "bússola da vida" ao lado e, muito gentil, iniciava o atendimento sem falhas, que não dava brecha para nenhum comentário.
Caso houvesse alguma reclamação ela citava, mansa e docemente, versículos bíblicos que os outros na fila calavam.
Não raramente, a fila parava para que alguém a ouvisse atentamente.
Alguns pediam oração, outros conselhos, e nós - as colegas de trabalho -, torcíamos o nariz, certos de que o resto da fila sobraria para nós atendermos. Isso nunca aconteceu.
Na hora do cafezinho era um terror, ninguém queria tomar café com a Jussara.
Era um tal de lembrar de coisas para fazer como ligações importantes, preencher formulários ou inventar uma semana de regime, enfim, tudo valia a pena para não ouvir suas orações ou "testemunhos" milagrosos.
Mas, quando nada funcionava, eu era a escolhida para permanecer na mesa enquanto as outras, entre risos, se afastavam.
Com o passar do tempo notei que essas minhas permanências na mesa além de freqüentes começaram a me dar um certo gosto.
Nem imaginava que isso já era plano de Deus.
Aliás, Deus nem fazia parte da minha vida – só nas necessidades, é claro.
Não tinha tempo ruim para Jussara, ela estava sempre brincando e feliz.
Descobri que era casada com um administrador que trabalhava em outra repartição pública federal, tinha quatro filhos, e que a mais velha estava grávida.
Para uma preconceituosa, o mais surpreendente foi perceber que a Jú era "normal", tinha alegrias e problemas como todos nós.
Quando falava das "coisas de Deus" seus olhinhos brilhavam de uma forma que nos envolvia, sem criticas, sem querer te obrigar a nada.
Sem impor sua crença ou sua igreja. Elogiava todas as denominações.
Alertava que todas tinham seus acertos e defeitos, cabia a Deus determinar onde era o lugar de cada um. E que no tempo certo tudo se acomodava.
Percebi que ali nascia uma amizade que daria muitos frutos.
Mas isso é outra história.
texto: Etelvina de Oliveira
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